Porque Católicos Não Só Podem, Como Também DEVEM Julgar.

11/04/2020

Escrito por: Winifred Corrigan

Um dos grandes escritores católicos do século passado, G.K. Chesterton[1], derramou tinta (por caneta, máquina de escrever e secretária) em um nível nunca visto antes ou depois. Ele escreveu romances, biografias, ensaios, editoriais, livros de não-ficção sobre filosofia e apologética, e muito mais. Algumas pessoas ficam exasperadas tentando ler Chesterton, ao desejar que ele finalmente tenha chegado ao ponto, ao invés de girar em círculos (em infindáveis páginas), dando voltas e às vezes nunca chegando definitivamente ao seu ponto de vista.

Mas um dia ele escreveu algo bem curto.

Como conta a história, Chesterton

 escreveu uma resposta excepcionalmente breve ao inquérito editorial do jornal The Times of London, "o que está errado com o mundo hoje?"

Prezado Senhor: Com relação ao seu artigo "O que há de errado com o mundo"? 

Sou eu.

Atenciosamente, G.K. Chesterton

Chesterton era um homem alegre, bem-humorado e muito espirituoso, mas ele estava CHEIO de críticas à miríade de erros contemporâneos que ele via ao seu redor. Mas a questão é que a brincadeira de Chesterton conta uma verdade profunda. Este homem admirável, com inúmeras críticas e julgamentos com relação ao mundo, admitiu que os problemas do mundo se originavam em seu próprio coração.

Acredito que os não-católicos e, em particular, os ateus "sem qualquer filiação religiosa" e até os agnósticos ficam especialmente agitados com os católicos que tecem julgamentos porque eles não percebem o que seja o cerne da visão católica de mundo:

Por minha culpa, por minha culpa, por minha tão grande culpa.

1. O eixo fundamental e necessário do "julgamento católico" é a autocrítica.

Existem católicos arrogantes e difíceis que nunca admitem que estão errados? Que nunca reconhecem sua própria fraqueza? Sim, claro. Mas "maus católicos" dificilmente dissipam o ponto. A Fé Católica é construída sobre a evidência das chagas e inclinações pecaminosas do homem devido à Queda e ao Pecado Original.

Essa honestidade pessoal torna-se a lente crítica através da qual um homem ou uma mulher madura e pensativa pode e deve, subsequentemente e simultaneamente, contemplar o mundo.

Pode-se resumir o cristianismo como um sistema de cura profundamente realista (embora sobrenatural). Mas isso nunca ocorre sem a admissão a priori (da realidade!) que eu sou fraco/ chagado/pecador/doente e, portanto, preciso de cura.

Não estou sugerindo que de repente todos nós nos desprezemos, tornemo-nos escrupulosos e nos desesperemos com nossa depravação. Isso também é um erro grave, e - se você conhece Chesterton - você sabe que ele era alegre e ainda conseguia aproveitar a vida. É muito importante não nos sobrecarregamos com culpas e auto-aversão. Não. Admito alegremente que sou o que há de errado com o mundo, com Chesterton. Eu não tenho orgulho dos meus pecados, mas eu me alegro na Igreja que Jesus me deu como meio de autocorreção diária, com a ajuda primária e necessária de Sua graça.

2. Só porque somos fracos, isso não significa que não nos seja permitido reconhecer e apontar as fraquezas alheias às nossas.

Deus nos deu faculdades críticas - a insondável mente humana - para que nós as usássemos! O professor de Matemática é mau quando ele coloca um X vermelho em cima da equação incorreta do seu aluno? A mãe é má quando ela puxa seu filho do meio fio da rua por conta do tráfico? Nunca os acusamos de julgamentos rígidos. Mas o pecado é muito mais primordial - atinge a consciência. É mais difícil de se falar e muito perigoso para se diagnosticar objetivamente, quando transcende a nossa própria consciência. Erro, então? O erro é diferente do pecado, e pode ser objetivamente rotulado e combatido.

Sim, você é um hipócrita, se sua casa tem telhado de vidro, em outras palavras, se você diz ser perfeito ao criticar tudo e todos ao seu redor, e é por isso que Jesus repetidamente castiga os fariseus. Mas Ele nunca nos pede para não pensarmos. Não é hipocrisia que os católicos sejam chamados a admoestar o pecador enquanto, ao mesmo tempo, admoesta a si mesmos (pecadores). O pecador público e escandaloso, obviamente, não é o que está ensinando aos outros ... a analogia da "palha e a trave" sempre se aplica, mas a extensão lógica disso não é o silêncio na esfera pública até que a pessoa se torne perfeita. Apenas Jesus era inocente e Sua Mãe que foi exclusivamente preservada do pecado.

3. Nós extrapolamos fraquezas mais abrangentes e externas dos nossos próprios erros e vice-versa.

Na verdade, é o próprio reconhecimento de nossa própria fraqueza que nos dá uma base para dizer "isso também é uma fraqueza" - e analisar a forma como influencia diretamente nossa própria fraqueza, ou para ver como ela influencia os outros ao nosso redor a quem amamos.

Sou eu o que há de errado com o mundo, mas eu estou, natural e necessariamente, em um mundo, não em um vácuo. Ao ver, ao obervar a realidade das coisas no meu redor, faço escolhas diariamente para me conformar às realidades do meu ambiente (na medida em que são boas), ou eu escolho rejeitá-las (na medida em que são ruins). Isso exige julgamento. Então, assim como eu treino minha lente para ver o que é bom e o que é ruim no meu coração, também sou capaz de fazer o mesmo no meu olhar para fora - avaliar o mundo e me avaliar com base no meu julgamento do mundo. Um circuito de retroalimentação, tendo Deus como meu padrão de referência para o bem.

4. O verdadeiro discernimento e cura é um movimento de duas mãos.

Desde o início, os cristãos que melhor e mais plenamente compreenderam a mensagem de Cristo empreenderam uma busca radical da santidade, diagnosticando e extirpando de si seus próprios pecados enquanto - em alguns casos - procuravam curar e educar aqueles que os cercavam da natureza do pecado. Nossos heróis na fé são os melhores e maiores antigos pecadores: São Paulo, Santa Maria Madalena, Santo Agostinho ... não os chamamos de hipócritas; nós os chamamos de santos. Eles se deixaram curar por Jesus, e eles cooperaram com a Sua graça salvadora.

5. Mas o esclarecer e o curar se difundem por si mesmos - eles procuram ir além do 'eu'.

É perigoso lá fora! Mas se amamos - se somos animados pelo amor de Cristo - não podemos parar em nossa própria cura. Por um lado, é impossível fazê-lo no vácuo, como mencionei acima ... Não posso estar verdadeira e perfeitamente bem enquanto meu ecossistema e as outras pessoas que o ocupam estejam chagados. Mas, além disso, se nossa cura é autêntica, ela não pode ser contida; traz o desejo de ser compartilhada. Quando encontramos Cristo, não podemos ser indiferentes ao sofrimento que nos rodeia.

Jesus enviou seus apóstolos para curar, salvar, converter, libertar. Eles tiveram uma tarefa ativa atribuída a eles. Eles eram perfeitos desde o início? Longe disso! Mas a própria tarefa purificava o outro: eles foram curados e formados em Cristo, enquanto traziam a cura e formação de Cristo ao mundo para outros.

6. E, no entanto, estamos sempre em uma jornada - um continuum pessoal entre a escuridão e a luz.

Porque há o mal no mundo ... o mal que nos corromperia e nos devoraria, nós temos de discernir o suficiente para vê-lo e diferenciá-lo do bem. Mas parte da capacidade de vê-lo é o cultivo da disciplina, ou seja, das virtudes.

Se eu estiver mergulhado em um vício particular, justificarei esse vício em outros. Se eu comecei a erradicar e rejeitar um vício particular, na verdade - se eu for honesto - é mais provável que seja empático para com aqueles ainda imersos nele ... porém minha visão da verdade se estenderá a eles também. Não por orgulho ou por uma atitude sou-mais-santo-do-que-tu, não ... mas por um Mas-pela-graça-de-Deus-sou-o-que-sou, um anseio e um amor que deseja que meu irmão, que meu próximo, veja a verdade também ... para erradicar-se do mesmo pecado que uma vez me chagou, o mesmo pecado que agora o vejo pelo que ele é.

7. O que me leva aos Sacramentos...

A natureza dupla - cura e fortificação - da Santa Missa e da Eucaristia é um medicamento diário e uma vitamina para a alma chagada, desorientada e desnutrida. A Missa está carregada do idioma e das posturas da contrição, da súplica ao perdão. É exatamente o que precisamos para continuar a tentar sermos bons e tentar vermos direito num mundo despedaçado. E precisamos cada vez mais e sempre.

Mas nos acompanha um parceiro necessário: o Sacramento da Reconciliação é o "eixo dos eixos", para retornar à analogia que usei no início. Vá. Sê perdoado.

Permita que Ele o cure para que você possa voltar para o mundo um pouco melhor - para o seu próprio bem, mas ainda mais para o bem das pessoas ao seu redor que não conhecem Jesus, que esqueceram de como pensar de forma crítica e que acabam se machucando e ferindo outros devido à sua relutância em "julgar". O esclarecer é a caridade, e os católicos têm recurso diário nAquele que é ambos - Claritas et Caritas - e que Se nos entrega a Si Próprio.

Assim, pare de se sentir tão envergonhado com esse insulto "católico que julga". O que você está esperando? Vá lá e seja um juiz!

[1]  Gilbert Keith Chesterton (29 de maio de 1874 - 14 de junho de 1936), foi escritor, poeta, filósofo, dramaturgo, jornalista, orador, teólogo leigo, biógrafo e crítico de arte e literatura. Chesterton é frequentemente chamado de "príncipe do paradoxo". Ele é bem conhecido por seu padre-detetive ficcional, Padre Brown, e por sua apologética fundamentada, incluindo obras como Ortodoxia e O Homem Eterno. Chesterton converteu-se ao catolicismo depois de uma jornada pelo secularismo, pelo unitarismo e depois pelo Anglicanismo da Alta Igreja

Original em Inglês: https://catholic-link.org/catholics-should-be-judgmental/