O Primeiro Jubileu E O Último Papa Medieval
O primeiro jubileu foi o resultado da piedade popular que encontrou aprovação papal. Em 1299, espalhou-se pela Europa a notícia de que os peregrinos ao túmulo de São Pedro receberiam uma indulgência plenária com o amanhecer do novo século. Respondendo às crescentes multidões na Cidade Eterna, em 22 de fevereiro de 1300, Bonifácio VIII emitiu uma Bula Papal declarando um Ano Santo e oferecendo formalmente a mais indulgente das indulgências aos fiéis que veneravam os Apóstolos Pedro e Paulo em suas respectivas basílicas. Fontes contemporâneas dizem que talvez 200.000 peregrinos fizeram a viagem a Roma, instituindo um costume piedoso que perdura mais de sete séculos depois.
O primeiro jubileu foi um triunfo, mas a história tem sido bastante cruel com Bonifácio VIII. Dante, que participou da peregrinação, ajudou a estragar a reputação de Bonifácio ao prever, no volume "Inferno", de sua obra "A Divina Comédia", que o papa acabaria no Inferno entre os simoníacos, embora as evidências históricas para esse pecado papal em particular sejam escassas. Bonifácio é frequentemente considerado um proponente agressivo, até mesmo absurdo, do poder papal, amplamente baseado na frase final de sua bula Unam Sanctam: "Por isso, declaramos, dizemos, definimos e pronunciamos que é absolutamente necessário à salvação de toda criatura humana estar sujeita ao romano pontífice".
A Unam Sanctam, entretanto, não é o equivalente medieval de um manifesto totalitário moderno. Foi uma tentativa de reformular os princípios do governo adequado da sociedade - uma Constituição da Cristandade - sob a qual "comporta duas espadas, todas as duas estão em poder da Igreja: a espada espiritual e a espada temporal".
A espada temporal é uma fonte legítima de autoridade confiada às mãos do príncipe, distinta da Espada Espiritual, mas, em última análise, a serviço dela. Os assuntos espirituais são obviamente superiores às preocupações temporais. Sob a perspectiva da fé, essa concepção é lógica e indiscutível. Não se trata de uma reivindicação de poder mundano à maneira de um ditador, mas de uma consequência natural da ordem da Criação.
A Constituição da Cristandade não endossava a monarquia absoluta. Pelo contrário, o papa, como Vigário de Cristo, tinha o direito e o dever de julgar os príncipes. O potens iudicaris não era um poder arbitrário de preferências subjetivas, mas um poder baseado na aplicação objetiva da lei moral. Era uma garantia de igualdade, porque todos os homens, pobres ou príncipes, estão sujeitos à Lei Divina. Um rei não é dispensado da lei moral e não está além dela. A Igreja existe para fazer cumprir os preceitos morais.
A supremacia natural da Espada Espiritual também permitiu que o papa atuasse como árbitro em conflitos entre príncipes. O papa podia buscar a paz, resolvendo conflitos violentos entre as nações cristãs. Governantes dissolutos e imorais que pudessem ser cruéis, tirânicos ou infiéis poderiam enfrentar o aguilhão da Espada Espiritual, pois o papa poderia impor punições como excomunhão ou interdição, conforme necessário.
No final do século XIII, os estados-nação em ascensão, Inglaterra e França, começaram a se irritar com essa ordem constitucional e com a incômoda interferência da Igreja que ela permitia. O Rei francês Filipe IV era um operador implacável - um regresso ao Imperador Henrique IV e um precursor de Henrique VIII e Napoleão. Ele desejava restringir a independência da Igreja e eliminar a influência papal sobre os assuntos de seu reino.
O Unam Sanctam foi, em parte, o resultado do conflito que surgiu com a afirmação de Filipe do direito de tributar o clero (ele precisava de dinheiro para a guerra), desafiando a lei canônica. Apesar das tentativas de conciliação de Bonifácio, a disputa foi além da tributação e atingiu os fundamentos dos direitos do papado de governar o clero. Filipe também procurou colocar a Igreja sob seu controle, à maneira dos imperadores alemães, contra os quais os antecessores de Bonifácio haviam lutado por mais de duzentos anos.
Bonifácio não podia permitir que isso acontecesse. Ele era um governante duro e talvez um pouco precipitado, mas agiu de boa fé. Filipe, por outro lado, não tinha interesse em uma solução amigável com o papado. Ele fabricou crises e difamou Bonifácio perante os Estados Gerais como um reprovado, tirano e falso papa. Em 1302, o rei queimou publicamente a bula de admoestação de Bonifácio, Ausculta Fili, e conspirou com os inimigos mortais do papa, a família Colonna, para destruí-lo.
Unam Sanctam foi a grande resposta de Bonifácio às denúncias de Filipe. O rei, no entanto, não se importava com as palavras em uma página e decidiu garantir que Bonifácio não pudesse impor penalidades canônicas a ele. Em 1303, o ministro conivente de Filipe, Guillaume de Norgaret, liderou uma gangue para atacar o papa em sua residência de verão em Agnani. O "Ultraje em Agnani" é um dos grandes - e esquecidos - pontos de virada da história. Os capangas de Norgaret saquearam a cidade papal e mantiveram Bonifácio prisioneiro por três dias, submetendo-o a abusos físicos e mentais, até que os habitantes da cidade expulsaram os invasores. Bonifácio morreu três meses depois.
Em 1305, Filipe planejou a eleição de um francês como Clemente V, e os papas se mudaram para Avignon pelos próximos 70 anos. Com o retorno do papado a Roma, eclodiu o Grande Cisma, dividindo a Igreja entre dois papas - e depois três - por quase 50 anos. Quando o cisma finalmente chegou ao fim, a reforma genuína ainda não havia se consolidado. Savonarola foi para a fogueira em 1498 e Lutero para a porta da Igreja de Todos os Santos em 1517.
Com a queda de Bonifácio, a Constituição da Cristandade caiu e assim terminou a Alta Idade Média. Sua morte deu início a uma série de desastres que, dois séculos depois, resultaram na Reforma. No entanto, pelas estranhas ações da Providência, 725 anos depois de declarar um jubileu, o sucessor de Bonifácio abriu mais uma vez as Portas Santas. E as multidões podem mais uma vez vir venerar o túmulo dos Apóstolos.
Autor: Christian Browne
Original em inglês: The Catholic Thing