O Desejo Ardente De Jesus

17/04/2025
A Trindade, de Andrei Rublev, c. 1411-1427 [Catedral da Trindade, Sergiyev Posad, Rússia]
A Trindade, de Andrei Rublev, c. 1411-1427 [Catedral da Trindade, Sergiyev Posad, Rússia]

Duas das palavras mais comoventes de todo o Novo Testamento ocorrem no início da narrativa de São Lucas sobre a Última Ceia. "E quando chegou a hora, ele se reclinou à mesa com os apóstolos e lhes disse: 'Quando chegou a hora, ele se pôs à mesa com seus apóstolos e disse-lhes: "Desejei ardentemente comer esta páscoa convosco antes de sofrer." (Lucas 22,14-15). A tradução aqui - "desejei profundamente" - procura expressar o desejo intenso de Jesus, que o grego de Lucas transmite ao repetir a palavra "desejo" como substantivo e verbo: "epithumia epethumēsa". Com desejo desejei comer esta Páscoa com convosco!

Duas palavras que fornecem uma janela privilegiada tanto para o objetivo de Jesus quanto para a experiência da Igreja primitiva sobre o relacionamento único dos cristãos com seu Salvador. Elas ressoam e são complementadas por outras palavras do Senhor que revelam uma intenção e um objetivo semelhantes.

Jesus declara: "Eu vim para que tenham vida e a tenham em abundância " (João 10,10). E Ele ora: "Que todos sejam um, como tu, Pai, estás em mim, e eu em ti. Que eles estejam em nós, a fim de que o mundo creia que tu me enviaste" (João 17,21) Essa "reunião" vivificante é o cerne da missão e do desejo de Jesus. E - mistério maravilhoso - sua paixão pela comunhão é sublimemente significada e plenamente realizada na Eucaristia.

Há três anos, o Papa Francisco escreveu uma "Carta Apostólica" cujo título é uma tradução latina das duas palavras do Evangelho de Lucas destacadas acima: Desiderio desideravi, uma meditação mistagógica sobre a Eucaristia, vivenciada como a recapitulação de toda a vida e missão de Jesus. Francisco fala do "só poderá ser saciado quando todos os homens, "de todas as tribos, línguas, povos e nações" (Ap 5, 9) comerem o seu Corpo e beberem o seu Sangue" (nº 4).

Francisco pondera sobre essa prioridade do desejo de Jesus. "[A}té podemos não ter consciência disso, mas de cada vez que vamos à Missa a razão primeira é porque somos atraídos pelo seu desejo de nós. Por nossa parte, a resposta possível, a ascese mais exigente é, como sempre, a de nos rendermos ao seu amor, de nos deixarmos atrair por Ele. O certo é que todas as nossas comunhões no Corpo e Sangue de Cristo foram por Ele desejadas na última Ceia" (nº 6).

Mas esse encontro intensamente pessoal do desejo ardente de Jesus com nosso próprio desejo, muitas vezes débil, acontece em um cenário que abrange a história e, de fato, abre-se para dimensões cósmicas. Francisco expande poeticamente nossa visão e imaginação restritas. Ele escreve: "Pedro e João tinham sido mandados fazer os preparativos para se poder comer a Páscoa mas, vendo bem, toda a criação, toda a história – que finalmente estava para se revelar como história de salvação – é uma grande preparação para a Ceia" (nº 3).

Em cada Eucaristia, seja celebrada numa modesta capela ou numa magnífica catedral, o cosmos e a história estão implicados no milagre da transubstanciação. Os frutos da terra e o trabalho das mãos humanas são transformados, não aniquilados. E nós, os destinatários da generosidade de Cristo, descobrimos a nossa verdadeira dignidade e vocação como amados do Pai, membros do novo corpo de Cristo.

A carta do papa sugere uma nova imersão no Mistério. Um olhar contemplativo fixo na Eucaristia proporciona um vislumbre do próprio coração de Deus, "a profundidade do amor das Pessoas da Santíssima Trindade para conosco" (nº 2). Embora Francisco não use o termo, pode-se estender sua intuição para considerar a "vida eucarística de Deus". A própria vida do Deus Uno e Trino é a troca vibrante de doação generosa, recepção grata e compartilhamento pessoal, como se pode ver na bênção paulina: "A graça do Senhor Jesus Cristo, o amor de Deus e a comunhão do Espírito Santo".(2 Coríntios 13,13).

E como a oração geralmente é aprimorada quando acompanhada por imagens mistagógicas, o grande ícone da Trindade de Rublev pode nos ajudar a entrar no Mistério inesgotável, pois nos convida, por meio de Cristo, à vida Trinitária-Eucarística.

A representação visionária de Rublev integra o Antigo e o Novo Testamento. Na economia da salvação, a aparição dos Três Anjos a Abraão e Sara encontra o cumprimento salvífico na celebração do sacrifício do Filho Amado, Jesus, o Cristo. E todo o plano de salvação emana, em perfeita liberdade, do próprio coração da Trindade na representação de Rublev do Filho intercedendo junto ao Pai para enviar o Espírito ao mundo.

A mesa da hospitalidade de Abraão foi transformada no altar do sacrifício redentor de Cristo. E somos chamados a participar da festa no lugar preparado para nós "desde a fundação do mundo" (Mateus 25,34).

Quando rezamos na presença do ícone, embora possamos estar sozinhos, nunca estamos solitários. Estamos sempre em solidariedade com todos os nossos irmãos e irmãs pelos quais Cristo derramou Seu sangue e chamou para serem incorporados ao Seu corpo.

Durante esta Quaresma, rezei diante do ícone, em companhia de João da Cruz - instruído pelo esplêndido estudo de Iain Matthew, The Impact of God: Soundings from Saint John of the Cross.

Matthew cita o poema trinitário e eucarístico de João, Embora Seja Noite. "A corrente que destas duas procede, sei que nenhuma delas a precede, mesmo de noite. Aquela eterna fonte está escondida neste pão vivo para dar-nos vida, mesmo de noite". Ele comenta que, para João, a Eucaristia não é "um objeto de adoração meramente passivo. É uma atividade de Cristo que convoca suas criaturas para a água. João vê Cristo aqui ativo, torrencial, recebendo a força total de tudo o que Deus é e liberando seu fluxo sobre nós - a 'eterna fonte' liberada no pão vivo 'para dar-nos vida'".

O poema conclui: "Esta viva fonte que desejo neste Pão de vida a vejo". Na Sagrada Eucaristia, o desejo de Cristo acende o desejo dos cristãos de participar novamente de uma paixão comum pela comunhão. "Aunque es de noche" - 'embora seja noite'.

Rezando na presença do ícone, durante as vigílias da noite, podemos prolongar a celebração eucarística ao repetirmos e nos apropriarmos das palavras da Oração Eucarística IV: "Olhai, com bondade, a oblação que destes à vossa Igreja e concedei aos que vamos participar do mesmo pão e do mesmo cálice que, reunidos pelo Espírito Santo num só corpo, nos tornemos em Cristo uma oferenda viva para o louvor da vossa glória".

Autor: Pe. Robert P. Imbelli

Original em inglês: The Catholic Thing