O Apocalipse Viking E Os Milagres Da Graça

20/03/2025
Ferdinand Leeke, “O Ataque Viking”, 1901 (Foto: Domínio Público)
Ferdinand Leeke, “O Ataque Viking”, 1901 (Foto: Domínio Público)

Entre os milagres mais surpreendentes da graça está a transformação dos vikings de pagãos sanguinários em cristãos convictos.

Os vikings foram, sem dúvida, a força mais destrutiva do início da Europa medieval. Bibliotecas queimadas. Obras de arte raras saqueadas e perdidas para sempre. Cidades e vilarejos foram varridos da paisagem. Vidas destruídas. E o futuro da Inglaterra, Irlanda e França - os principais alvos dos nórdicos - foi colocado em sério risco.

Em seu registro de junho de 793, o monge anônimo que conservou a Crônica Anglo-Saxônica, um registro ano a ano de eventos memoráveis de sua época, escreveu:

Os pagãos das regiões do norte vieram com uma força naval para a Grã-Bretanha como vespas picantes e se espalharam por todos os lados como lobos temerosos, roubaram, rasgaram e massacraram (...) sacerdotes e diáconos, e comunidade de monges e freiras. E chegaram à igreja de Lindisfarne, devastaram tudo com terríveis saques, pisotearam os lugares sagrados com suas solas imundas, derrubaram os altares e se apoderaram de todos os tesouros da santa igreja. Mataram alguns dos irmãos, levaram alguns com eles em grilhões, expulsaram muitos, nus e carregados de insultos, e alguns se afogaram no mar.

A ilha de Lindisfarne não é muito bonita: cerca de 5 quilômetros de paisagem arbustiva na costa do norte da Inglaterra, aproximadamente 14 quilômetros ao sul da fronteira com a Escócia. No entanto, para os ingleses, esse foi um local de grande santidade, berço de muitos santos, sendo o mais famoso deles São Cuteberto, uma das figuras mais queridas da história da Igreja na Inglaterra.

Em vida, Cuteberto foi tão famoso por seu charme pessoal quanto por sua santidade pessoal. Ele possuía uma maneira gentil e persuasiva capaz de reconciliar os inimigos mais amargos e trazer até mesmo pecadores endurecidos de volta a Deus. Cuteberto passou 23 anos em Lindisfarne, primeiro como prior e depois como bispo.

Após sua morte, uma série de milagres foi atribuída à sua intercessão, o que garantiu a contínua popularidade de São Cuteberto e fez com que seu túmulo na igreja do monastério de Lindisfarne se tornasse um objetivo para os peregrinos. Consequentemente, a matança dos monges de Cuteberto e a ruína de seu santuário chocaram os ingleses. Escrevendo da corte de Carlos Magno, onde dirigia a escola do palácio do imperador, o monge inglês Alcuíno perguntou ao bispo de Lindisfarne (que, de alguma forma, sobreviveu ao ataque): "Que garantia há para as igrejas da Grã-Bretanha se São Cuteberto, com um número tão grande de santos, não defende a sua?"

Alcuíno tinha razão. Mas se Lindisfarne era excepcionalmente santa, também era excepcionalmente rica.

O século VIII foi um período de profunda devoção religiosa, quando a vida de um monge ou de uma freira era tida em alta estima por todas as classes da sociedade inglesa. A piedade, combinada com novas riquezas e o florescimento das artes, expressou-se em presentes luxuosos para igrejas, mosteiros e conventos. Os Livros do Evangelho receberam capas douradas. Os santuários dos santos eram revestidos de prata e cravejados de pedras preciosas. Os bispos entravam em suas catedrais segurando báculos de marfim intrincadamente esculpido. Para os cristãos da Inglaterra, essas exibições suntuosas demonstravam seu amor por Deus, Seus santos e pela Igreja; nunca lhes ocorreu que sua generosidade atrairia a atenção dos pagãos das regiões mais ao norte da Europa.

Ironicamente, foram os cristãos ingleses que sugeriram - inadvertidamente - que a Inglaterra estava pronta para os ataques vikings. Os comerciantes ingleses, com suas bolsas cheias de moedas de ouro e prata recém-cunhadas, começaram a viajar para os portos escandinavos para comprar peles, marfim de morsa, âmbar e outras mercadorias valiosas que poderiam ser vendidas em seus países. Enquanto negociavam, os comerciantes fofocavam sobre a riqueza de suas cidades, os tesouros de suas igrejas ou os problemas que seu rei estava tendo com seus filhos indisciplinados e nobres ambiciosos.

Os nórdicos ouviam essas histórias com interesse. Na sociedade escandinava, invadir a fazenda de um inimigo ou saquear uma cidade estrangeira era uma parte normal da vida. Isso introduzia os adolescentes na cultura guerreira, dava aos homens que passavam a maior parte do ano cultivando e pescando um gostinho de aventura e aumentava a riqueza e a reputação do chefe que liderava o ataque. Estimulados pelas histórias dos comerciantes ingleses sobre grandes riquezas "guardadas" apenas por monges desarmados e freiras indefesas, os vikings prepararam seus longos navios para a viagem de ataque mais distante até então.

O ataque a Lindisfarne foi apenas o começo. Em 794, os vikings saquearam a Abadia de Jarrow e a Ilha de Skye; em 795, fizeram seu primeiro ataque à Abadia de Iona, na costa oeste da Escócia. Centro de erudição e cultura celta, bem como local do santuário de São Columbano, Iona provou ser um alvo tão rico que os vikings voltaram várias vezes. Em 806, depois de saquear a igreja e as capelas, os vikings arrastaram quase toda a comunidade de Iona (68 monges) para a beira-mar e massacraram todos eles. Desde então, o local ficou conhecido como a Baía dos Mártires.

Após o massacre de 806, os monges sobreviventes não estavam dispostos a refundar sua abadia e se expor novamente à fúria dos nórdicos; eles empacotaram o que restava de suas posses e navegaram para a Irlanda. No entanto, em 825, mais uma vez havia uma pequena comunidade monástica em Iona. Quando chegaram à ilha rumores de que os vikings estavam invadindo a área novamente, a maioria dos monges fugiu, levando consigo as relíquias de São Columbano. Um punhado de monges, juntamente com o abade São Blatmaco, recusou-se a partir. Em uma manhã, não muito tempo depois de o corpo principal da comunidade monástica ter fugido, os monges ouviram o som terrível de navios-dragões derrapando na praia arenosa, seguido pelos gritos ferozes de um grupo de invasores vikings que pulavam em terra. Os invasores foram direto para a igreja, onde Blatmaco estava no altar rezando a Missa, com a presença dos monges restantes. Os monges foram mortos pelos vikings. Depois, avançando sobre o abade, exigiram que ele lhes revelasse o esconderijo dos tesouros do santuário de São Columbano. Blatmaco se recusou. Levantando suas espadas e machados, os vikings mataram S. Blatmaco nos degraus do altar.

Inicialmente, as incursões vikings na Inglaterra eram de bate e volta, mas depois do ataque final a Iona, em 825, eles se tornaram mais ousados. Eles saquearam e queimaram Londres, Canterbury e Rochester, e montaram uma invasão em grande escala da Inglaterra com 350 navios dragões ancorados na foz do Tâmisa. Então, em vez de voltar para casa no inverno, como era seu costume, os vikings decidiram ficar. Eles ocuparam uma grande parte da Inglaterra que se estendia de Londres quase até os portões de Durham, bem ao norte. Mas o que para os ingleses deve ter parecido um desastre absoluto teve consequências imprevisíveis.

À medida que os vikings criavam raízes e começavam a se casar com os ingleses, esses pagãos ferozes começaram a se converter ao cristianismo. Ninguém esperava por isso. Inspirados por essa súbita onda de novos convertidos, bispos e monges ingleses partiram para a Escandinávia para pregar o Evangelho na terra natal dos vikings. E a fé começou a florescer lá.

Nem tudo foi tranquilo. Santo Olavo, o primeiro rei cristão da Noruega, tinha uma compreensão imperfeita do cristianismo. Ele travou uma guerra contra qualquer um de seus súditos que não aceitasse o batismo. Depois de morrer em uma batalha contra um exército pagão, Olavo foi imediatamente proclamado santo, mártir e patrono da Noruega. Em poucos anos, os nórdicos, cujos avós haviam saqueado os santuários dos santos, passaram a fazer peregrinações para rezar no santuário de St.Olavo

A história está repleta de exemplos da ação misteriosa da graça divina no mundo. Mas entre os mais surpreendentes está a transformação dos vikings de pagãos sanguinários em cristãos convictos.

Autor: Thomas Craughwell

Original em inglês: National Catholic Register