Não Os Temais… vs. Temei Antes Aquele…      - São Mateus 10, 26-33 -

25/09/2023
Juízo Final, Michelangelo, 1535-1541, Capela Cistina, Vaticano
Juízo Final, Michelangelo, 1535-1541, Capela Cistina, Vaticano

Nesses oito versículos, Ele nos ordena três vezes a não ter medo e uma vez a ter medo. Agora, essa aparente confusão está de acordo com o restante das Escrituras. Uma das frases mais comuns na Bíblia é Não temas. E outra exortação comum é temer o Senhor. O salmista, por exemplo, faz o curioso convite: "Vinde, meus filhos, ouvi-me: eu vos ensinarei o temor do Senhor". (Salmo 33,12) Então, como podemos entender isso?

O medo é uma realidade inevitável para nós porque somos seres contingentes. Temos medo porque sentimos a profunda verdade de que dependemos de outra pessoa para nossa existência. Até mesmo o individualista mais rude entre nós não se criou e não se sustenta em sua existência. Nossa existência depende de algo fora de nós. A possibilidade de nos separarmos dessa fonte gera medo, seja ela boa ou má. Mas nós temeremos algo.

Vamos começar com o bom temor: "temei antes aquele que pode precipitar a alma e o corpo na geena". O que Jesus quer dizer aqui é Temor do Senhor, dquele que sozinho pode dar vida e tirá-la. Ele não quer dizer horror ou medo do Senhor, como se Deus estivesse simplesmente querendo nos punir. Ele se refere ao temor de ir contra e ser separado daquele que nos mantém na existência. É a atitude de uma criança nos braços de seu pai; ela não ousa se rebelar contra aquele que a mantém segura.

Esse temor é, em primeiro lugar, um reconhecimento da transcendência e do poder onipotente de Deus: Ele é Deus; eu não sou. Todo o crescimento espiritual e toda a vida cristã começam com essa verdade. Assim, "o princípio da sabedoria é o temor do Senhor". (Provérbios 9,10) É o humilde reconhecimento de nosso nada que nos abre para a obra da graça de Deus. É por isso que o temor do Senhor é considerado o primeiro dos dons do Espírito Santo. Sem essa disposição e atitude, nós nos consideramos suficientes e, portanto, nos fechamos para a graça de Deus.

Se esquecermos essa verdade - Ele é Deus; eu não sou -, nós O tornamos desnecessário para nós. É bom tê-Lo por perto, mas não é absolutamente necessário. Ele se torna apenas mais uma pessoa em nossa vida ou, pior, um talismã que trazemos quando precisamos Dele. Infelizmente, domesticamos Deus de tal forma que muitos católicos O tratam exatamente dessa forma, como alguém que está à mão para nos confortar e, é claro, para nos afirmar. O Temor do Senhor nos livra de tal irreverência. Ele nos impede de usar Deus como um meio para atingir um fim.

Mais importante ainda, esse temor é uma reverência a Deus como Pai. Observe como, nessa passagem, Jesus nos exorta a temer e, ao mesmo tempo, fala sobre o terno cuidado e a provisão do Pai para nós. O Temor do Senhor é, em última análise, o medo de ofender nosso Pai porque Ele nos ama. Ele nos impede de pecar não tanto por causa da punição (embora essa não seja uma motivação ruim), mas por causa do amor. É o medo de interromper nosso relacionamento com o Amor por meio do pecado.

Ao contrário do que a mente moderna possa pensar, o Temor do Senhor leva à liberdade. O que nos escraviza é o medo das coisas erradas: pobreza, humilhação, fraqueza, solidão, etc. O medo dessas coisas menores nos leva ao pecado ou a controlar a situação e evitar o sofrimento. Por isso, os falsos medos nos levam a buscar o controle e nos levam à escravidão de nossa própria vontade.

Além disso - e novamente de forma contraintuitiva - esse Temor de Deus como Pai Todo-Poderoso é a base necessária para a confiança. Afinal, não confiamos naquilo que percebemos ser fraco. Se o Seu poder não pode ser temido, então também não pode ser confiável. Justamente porque Ele é poderoso o suficiente para ser temido, também podemos confiar Nele. Mais importante ainda, Seu poder e força são para nós, Seus filhos.

Por fim, o Temor do Senhor nos torna destemidos - o que explica a aparente contradição de Jesus no Evangelho de hoje. O Temor do Senhor coloca todo o resto em perspectiva. Se estivermos enraizados no Temor do Senhor - sabendo que Ele é nosso Deus todo-poderoso e Pai amoroso -, então não devemos temer mais nada. Ou, como disse Raniero Cantalamessa, "Tema a Deus e não tenha medo". Perseguição, humilhação, pobreza, doença e até mesmo a morte - desde que nos apeguemos ao nosso Pai celestial, não devemos temer nenhuma dessas coisas.

Esse é o segredo dos mártires e o motivo pelo qual Nosso Senhor contrasta esses medos nessa exortação ao testemunho e ao martírio. Os mártires triunfaram sobre a perseguição e o sofrimento não por causa de sua própria força, mas porque, pelo Temor do Senhor, eles se apegaram Àquele que era capaz de salvá-los da morte. E foram ouvidos por seu temor piedoso. (veja Hebreus 5,7)

O que você teme? Essa é uma reflexão oportuna. Parece que as coisas estão se desenrolando diante de nós e parece haver muitos motivos para temer. Mas se tivermos esse temor adequado do Senhor, poderemos descansar seguros no poder do Pai, livres de qualquer outro temor.

Autor: Pe. Paul Scalia

Original em inglês: CERC - Catholic Education Resource Center