Como Os Apóstolos Falaram Da Beleza De Cristo
Uma das passagens mais citadas dos muitos escritos do Cardeal Joseph Ratzinger é sua famosa afirmação de que a "única apologia realmente eficaz do cristianismo se resume a dois argumentos, a saber, os santos que a Igreja produziu e a arte que cresceu em seu ventre".
A beleza da santidade e a beleza da arte não são meros ornamentos, mas o argumento mais forte para o que a Igreja ensina.
Então, apesar de todas as formidáveis conquistas intelectuais da Igreja, incluindo sua grande síntese da filosofia clássica e da revelação divina em sua teologia, será que apenas os santos e as obras de arte são realmente "eficazes"? Será que a beleza comove os seres humanos de uma forma que a verdade sozinha não consegue?
Ratzinger respondeu a essa pergunta em seu discurso de 2002 aos membros da Comunhão e Libertação*, afirmando: "Assim, os argumentos caem frequentemente no vazio, pois no nosso mundo muitos argumentos contrapostos concorrem entre si, tanto que é espontâneo ao homem o pensamento que os teólogos medievais formularam assim: a razão "tem um nariz de cera", ou seja, é possível endereçar-lhes, somente se é bem hábil, nas mais variadas direções". Em contraste com os argumentos da razão, continua Ratzinger, "o encontro com a beleza pode se tornar o golpe da flecha que fere a alma e deste modo lhe abre os olhos".
Talvez, no entanto, a distinção entre arte e argumento, entre beleza e verdade, não seja tão categórica quanto essas passagens, citadas fora de contexto, sugerem. Desde o início, os apóstolos indicaram isso. Nos Atos dos Apóstolos, encontramos exemplos de como os primeiros cristãos aprenderam a falar sobre o que lhes havia sido revelado em Cristo - e suas diversas maneiras são impressionantes.
No início de Atos, de fato no dia de Pentecostes, Pedro sai para falar aos judeus "de todas as nações" que vieram à cidade de Jerusalém. Pedro cita para eles o profeta Joel, que proclamou que Deus derramaria seu Espírito de modo que profetizarão os vossos filhos e as vossas filhas … e os vossos anciãos sonharão". Ele cita Davi sobre a promessa do Santo que não "conhecerá a corrupção". Este "homem... vós o matastes, crucificando-o" é o Santo que "Deus o ressuscitou", e os apóstolos agora receberam o Espírito Santo.
Pedro mostra, em outras palavras, que Cristo e a Igreja são o cumprimento das palavras dos profetas. Em um discurso posterior, ele defende Jesus como o "Santo e Justo" prometido pelo "Deus de nossos pais", de Abraão, Isaque e Jacó.
Os discursos de Pedro são apenas uma prévia de como Estêvão, quando preso, falará ao sumo sacerdote. Estevão reconta toda a história dos judeus, de Abraão a Moisés, da fuga do Egito e da jornada para a Terra Prometida. Ele mostra que os judeus sempre perseguiram seus profetas, inclusive Moisés, e que, implicitamente, Jesus é o novo Moisés e seu cumprimento, que agora foi "traído e assassinado".
Após sua conversão, Paulo prega na sinagoga e apresenta uma história semelhante. Ele relembra o sacerdote e profeta, Samuel, e os reis, Saul e Davi, antes de mostrar que Jesus é o Santo que Deus prometeu e ressuscitou, e que cumpre ao mesmo tempo os papéis de sacerdote, profeta e rei.
Em todos esses casos, os apóstolos apelam para o conhecimento da história da salvação de seu público judeu para defender Cristo como o Filho de Deus prometido.
Algo muito diferente acontece, porém, quando Paulo se dirige aos homens loquazes, curiosos e "muito religiosos" de Atenas. Ele lhes diz que Cristo é o "deus desconhecido" que seus desejos filosóficos buscam. Ele cita um poeta grego para mostrar que o Deus de Jesus Cristo é aquele em quem "vivemos, nos movemos e existimos". Ele apela não para Cristo como o cumprimento da história, mas como a causa e o logos do cosmos, toda a ordem mundial.
Paulo nunca repete esse argumento aos atenienses, no entanto, da mesma forma que ele e Estêvão repetem o apelo histórico de Pedro aos profetas. Quando ouvimos Paulo pregar em seguida, é como uma "testemunha". Ele dá testemunho do poder de Cristo para transformar uma vida - sua vida. Pois ele foi alguém que perseguiu "de morte este Caminho", como ele chama o cristianismo. Cristo o jogou no chão e o cegou. Por meio de seu batismo nas mãos de Ananias, ele recuperou a visão, recebeu o perdão dos pecados e agora entrega sua vida a Cristo.
Paulo dá seu "testemunho" pela segunda vez quando é levado à presença de Agripa e Berenice. Mais uma vez, ele fala de sua devoção como fariseu, que o levou a se opor a Jesus, e repete a história de sua conversão na estrada para Damasco.
Em alguns aspectos, esses três tipos de pregação não poderiam ser mais diferentes. Uma delas apela para o conhecimento que os judeus têm de suas escrituras e história sagrada e considera Jesus como o seu cumprimento. O discurso aos atenienses apela para as leis do cosmos, a ordem da realidade, obtida por meio da sabedoria e da metafísica. Ambas argumentam a partir de verdades gerais, por assim dizer, as verdades da história e as verdades do ser. O testemunho de Paulo de sua conversão pode não parecer, comparativamente, com um argumento. Ele simplesmente confessa a grande transformação que foi realizada nele pela palavra, pelo poder e pelo espírito de Cristo.
Todos os três, entretanto, são argumentos da beleza, pelo menos como o mundo clássico e cristão entendia essa palavra. Pois o belo era o termo usado para a maravilha e o deleite que nascem em nós, quando vemos como as partes se encaixam para formar um todo, quando vemos a ordem, a coerência e o significado interno das coisas em uma visão unificada.
Os judeus ouvem falar da beleza da história, em que o presente dá sentido ao passado e o cumpre. Os atenienses ouvem falar de Cristo como o logos, o princípio da ordem que faz com que todas as coisas existam e busquem seu bem maior. O argumento de Paulo é um apelo à beleza moral ou ética, que era o tipo mais celebrado no mundo helenístico em que ele viveu, pois mesmo os povos antigos mais céticos ainda desejavam que suas vidas fossem plenas, ou seja, que se tornassem coisas de beleza ou "glória".
Quando os consideramos juntos, vemos que a forma de Cristo preenche a "forma" do tempo, do espaço e de nossos anseios interiores integralmente. É como se houvesse um padrão com uma parte faltando, cuja forma pudéssemos discernir, mas agora a vemos encaixada no lugar. Todos esses são argumentos a favor da verdade. Mas eles não buscam convencer o público da verdade provando um mero fato de que é ou não é, no entanto. Em vez disso, eles mostram aos olhos da mente uma ordem mais abrangente, uma ordem que podemos eventualmente entender como verdade, mas que inicialmente vemos, e finalmente passamos a adorar, como uma revelação da beleza.
Autor: James Matthew Wilson
Original em inglês: CERC - Catholic Education Resource Center