Como Entender O Livro Do Apocalipse?
Notório por sua complexidade, o livro bíblico do Apocalipse representa um desafio interpretativo para o mais diligente dos leitores. Até mesmo São Jerônimo, o renomado tradutor das Escrituras da Igreja primitiva, admitiu achar esse livro misterioso e desconcertante.
Embora alguns estudiosos modernos tenham expressado ceticismo, o consenso tradicional é que o livro do Apocalipse foi escrito pelo Apóstolo João, o mesmo João que é tipicamente identificado como o autor do Quarto Evangelho.
Enquanto vivia na ilha de Patmos, localizada no Mar Egeu, na costa da atual Turquia, João recebeu o conjunto de visões que compõem o livro de Apocalipse (consulte Ap 1,9). Enquanto a maioria dos estudiosos situa a composição do livro no final do reinado do imperador romano Domiciano (por volta de 95 d.C.), uma minoria digna de nota defende uma data que cai no reinado do imperador Nero (54-68 d.C.).
Nesta publicação, vamos nos limitar a oferecer algumas dicas que podem tornar o livro de Apocalipse um pouco mais inteligível para o leitor comum, sem a pretensão de responder a todas as perguntas ou resolver todas as dificuldades.
Dica nº 1: Revelação = Apocalipse.
O livro de Apocalipse - como é normalmente chamado hoje - foi escrito em grego koiné, e a primeira palavra do texto é Ἀποκάλυψις, transliterada como apokalypsis, que significa "desvelamento" ou "revelação". Essa palavra grega é transferida para o latim, o que faz com que a Vulgata Latina se refira ao livro simplesmente como Apocalypsis Ioannis, "o Apocalipse de João".
Em vista disso, costumava ser comum que as pessoas no mundo de língua inglesa se referissem ao livro como "the Apocalypse" (o Apocalipse). No entanto, em um inglês mais contemporâneo, isso se torna confuso porque "apocalipse" e "revelação/desvelamento" não significam mais a mesma coisa.
Hoje, portanto, a Igreja de língua inglesa tende a preferir o título "Revelação", com base no fato de que ele capta melhor o significado do nome original em grego.
Dica nº 2: Não precisamos entender tudo o que está na Bíblia.
Isso pode parecer uma afirmação surpreendente, mas na verdade não é! Até mesmo São Pedro, o primeiro Papa, admitiu que achava algumas cartas de São Paulo um pouco confusas (consulte 2Pd 3,16). Devemos nos lembrar, também, que não existe um 11º Mandamento que exija que leiamos cada parte da Bíblia, muito menos que a entendamos perfeitamente.
De fato, a prática cristã tradicional há muito tempo favorece determinados livros bíblicos quando se trata de compartilhar a fé e crescer na vida espiritual (a maioria de nós deveria passar mais tempo meditando nos quatro Evangelhos do que em Levítico, por exemplo). Portanto, se você passar a vida inteira sem saber o que está acontecendo no livro de Apocalipse, isso não é o fim do mundo - foi só trocadilho!
É claro que isso não quer dizer que não haja valor em entender e apreciar melhor o último livro da Bíblia; com certeza há. Mas a questão é que isso não é essencial para ser um cristão.
Dica nº 3: As imagens podem ser complexas.
O considerável grau de obscuridade presente no livro de Apocalipse é imediatamente óbvio para qualquer pessoa que tente ler o texto. No entanto, é importante ter em mente que nesse tipo de literatura apocalíptica deve haver um alto grau de mistério, uso vívido de simbolismo, várias camadas de significado, convergência do literal e do espiritual, e assim por diante.
O que isso significa na prática é que, se você se sentar para ler Apocalipse 16 e achar que não entende tudo o que está acontecendo, isso é, na verdade, um sinal de que está lendo o texto corretamente. Em um sentido real, a profundidade do mistério está lá precisamente para tornar o leitor humilde e convidá-lo a um espírito de contemplação.
Parte integrante dessa profundidade do mistério é o fato de que, muitas vezes, no livro do Apocalipse, os sinais e símbolos possuem um significado duplo ou múltiplo; por exemplo, muitas vezes acontecem coisas que são uma referência a eventos históricos reais que ocorreram no primeiro século, ao mesmo tempo em que apontam para realidades escatológicas futuras que ainda não aconteceram.
Dica nº 4: Ele contém lições espirituais profundas.
Para que não nos percamos nas ervas daninhas de suas imagens desconcertantes, vale a pena observar que o livro do Apocalipse também oferece uma rica série de reflexões espirituais.
Um lugar onde elas são especialmente proeminentes é nas famosas cartas às sete igrejas descritas nos capítulos 2 e 3. Aqui, podemos refletir sobre a advertência feita à igreja de Éfeso, por exemplo, que é elogiada por muitas boas ações, mas culpada por permitir que essas ações mascarem um problema mais profundo: "Mas tenho contra ti que arrefeceste o teu primeiro amor" (Ap 2,4). Com que frequência essa acusação se aplica em nossa própria vida espiritual?
Uma lição igualmente incisiva pode ser encontrada na conhecida frase dita à igreja de Laodicéia: "Conheço as tuas obras: não és nem frio nem quente. Mas, como és morno, nem frio nem quente, vou vomitar-te" (Ap 3,15-16). Quais são as áreas da minha vida em que permiti que uma atitude morna se instalasse?
O livro do Apocalipse também é famoso por seus temas marianos. Começando em 11,19 e continuando no capítulo 12, Nossa Senhora é apresentada como a nova Arca da Aliança, que serve como instrumento escolhido por Deus para trazer Seu Filho ao mundo. Ela não é apenas a rainha do céu, mas também a arquiinimiga do diabo e nossa mãe espiritual (veja Ap 12,7).
Dica nº 5: É um livro litúrgico em sua essência.
Por que o Apocalipse é o último livro da Bíblia? É o último livro da Bíblia porque revela o objetivo final para o qual toda a história da salvação está ordenada. E qual é esse objetivo final? É a comunhão com Deus por meio da adoração correta da Santíssima Trindade:
Depois disso, vi uma grande multidão que ninguém podia contar, de toda nação, tribo, povo e língua: conservavam-se em pé diante do trono e diante do Cordeiro, de vestes brancas e palmas na mão, e bradavam em alta voz: "A salvação é obra de nosso Deus, que está assentado no trono, e do Cordeiro!" (Ap 7,9-10).
No livro do Gênesis, Adão e Eva pecaram ao tentarem se tornar deuses formados à sua própria imagem e semelhança, em vez de se submeterem ao único Deus verdadeiro que os criou à Sua imagem e semelhança. No final do livro do Apocalipse, o relacionamento adequado do homem com Deus é definitivamente restaurado: Deus é adorado e glorificado, e a humanidade se torna não apenas semelhante a Ele, mas um com Ele.
De forma surpreendente, somos informados de que nenhum templo será necessário nessa cidade santa, "porque o Senhor, Deus Dominador, é o seu Templo, assim como o Cordeiro" (Ap 21,22). É uma cidade, em outras palavras, com Deus em seu coração pulsante, fundada no amor do Pai e nas chagas do Cordeiro: chagas tornadas presentes na Terra por meio do Santo Sacrifício da Missa, por meio do qual podemos começar agora mesmo a participar das realidades celestiais que o Apocalipse descreve.
Dica nº 6- bônus: Obtenha um bom comentarista!
O Apocalipse é um livro difícil, e as Escrituras nunca foram feitas para serem lidas isoladamente. Faça um favor a si mesmo e use um bom comentarista que se baseie na sabedoria da tradição católica para guiá-lo pelo texto. O livro O Banquete do Cordeiro: A Missa segundo um convertido(1), de Scott Hahn, é uma exposição clássica dos elementos litúrgicos fortemente católicos do livro do Apocalipse.
Autor: Clement Harrold
Original em inglês: St. Paul Center
Nota:
(1) O Banquete do Cordeiro: A Missa segundo um convertido. Obs: Será solicitado: nome usuário (genesis) e senha (upload).