Como É Receber A Eucaristia No Espaço?

18/11/2020
Mike Hopkins mostra como é a vida no espaço. (foto: NASA)
Mike Hopkins mostra como é a vida no espaço. (foto: NASA)

Uma conversa com o astronauta da NASA, católico convertido, Mike Hopkins

Viver no espaço é um desafio e uma honra que poucas pessoas irão desfrutar (pelo menos em nossa geração). O astronauta Mike Hopkins é um dos poucos selecionados. Ele passou seis meses na Estação Espacial Internacional (ISS) em 2013. E embora ele estivesse emocionado quando foi escolhido para uma missão espacial, havia uma Pessoa que ele não queria deixar para trás: Jesus na Eucaristia.

Hopkins foi recebido na Igreja menos de um ano antes do seu lançamento. Depois de uma longa espera, finalmente pôde receber Nosso Senhor em cada Missa. Diante da perspectiva de ficar meio ano fora do planeta, decidiu que deveria descobrir se Jesus poderia viajar com ele. Acontece que Ele podia - e Ele viajou com Mike.

The Register conversou com Hopkins sobre seu desejo de receber a Eucaristia no espaço, como funcionou na prática e o que o levou a sua devoção na Presença Real.

Por que você acabou se tornando o astronauta que quer levar Jesus ao espaço?

Bem, é uma longa história. Eu cresci como um metodista não praticante. Conheci minha esposa, Julie, na faculdade. Ela é católica, começamos a namorar e acabamos nos casando. Como parte desse processo de casamento na Igreja Católica, concordamos em criar nossos filhos como católicos. Eu não tinha nenhuma intenção de me tornar católico. Eu senti que era importante para nossos filhos perceberem que o que era importante era seu relacionamento com Deus, não necessariamente se você é metodista, católico, protestante ou o que quer que a pessoa seja.

E assim íamos à igreja regularmente, a uma igreja católica. Nossos filhos nasceram e foram batizados como católicos, e nós os criamos na Igreja Católica.

Tempos depois fui - em 2009 - selecionado como astronauta. E isso tinha sido uma meta, um sonho, um objetivo em grande parte da minha carreira profissional. Daí pra frente tudo foi fantástico, sabe? Mudamos para Houston e nos tornamos membros da Igreja Católica Mary Queen aqui em Friendswood, uma das paróquias locais. Eu fiz o treinamento básico [de astronauta] de 2009 a 2011. E no que diz respeito à minha prática religiosa, tudo ainda era quase o mesmo. Estávamos indo para a igreja católica, os meninos estavam indo para os programas de educação de jovens católicos e criados como católicos, mas, quando íamos à igreja, eu não participava da comunhão porque não era católico.

E aí, em 2011, fui designado para uma missão na Estação Espacial Internacional. Eu iria subir e passar seis meses no espaço, começando em 2013, logo você poderia achar que em relação aos objetivos de carreira e família, tudo estava perfeito: Me tornei astronauta; fui designado para de fato ir para o espaço; e minha família era fantástica. Então tudo estava bem, porém, para mim, pessoalmente, senti que faltava alguma coisa.

Era difícil dizer o que era, mas acabei decidindo que "acho que talvez precise me tornar católico. Quero participar mais da vida religiosa da minha família - minha esposa e meus filhos". Eu acredito que Deus tem um jeito de colocar pessoas em sua vida que te ajudam quando você tem necessidade. Neste caso, para mim, era o padre Skip Negley, que era o padre na Mary Queen.

Naquela época, como tinha sido designado para uma missão, estava treinando muito, o que significava que passaria muito tempo na Rússia. Portanto, eu não pude assistir às aulas semanais do RICA - Rito da Iniciação Cristã de Adultos. Daí, nós [minha esposa e eu] fomos e conversamos com o Padre Skip, que disse: "Olha, Mike, estou disposto - quando você estiver aqui em [intervalos] de duas ou três semanas, nos reunimos pessoalmente o mais que pudermos. Faremos dessa maneira."

Portanto, isso nunca teria acontecido sem o Padre Skip. Ou teria sido, eu acho, uma luta muito maior ou um processo muito mais longo, se o Padre Skip não tivesse me colocado sob os seus cuidados.

Lembro-me de um dos primeiros encontros que tive com ele: [Ele perguntou], "Por que você quer ser católico?"

E eu dei a resposta que mencionei antes - sobre querer participar mais da vida religiosa da minha família - e ele disse: "Mike, isso não é motivo para ser católico."

E aí todo esse processo de encontros com ele foi absolutamente fantástico para mim, porque respondeu a muitas perguntas que eu tinha sobre a fé católica. Padre Skip foi simplesmente incrível. E no final das contas, percebi que isso era algo que eu precisava fazer por mim.

Consegui ser crismado na Igreja Católica em dezembro de 2012 e o lançando era em setembro de 2013.

Depois que fui crismado, porém, tenho que admitir, ainda não estava muito satisfeito - porque sabia que ficaria fora [no espaço] por seis meses.

Então comecei a fazer a seguinte pergunta: "Existe alguma chance de eu levar a Eucaristia comigo para o espaço?"

O que é algo - você sabe - que não é normalmente feito, já que você não autoadministra a Comunhão.

De novo, Deus tem um jeito de colocar pessoas em sua vida quando há necessidade. Chuck Turner [um diácono, bem como o administrador das instalações da paróquia] e o Padre Jim [Kuczynski], que substituiu o Padre Skip, começaram a fazer as perguntas da arquidiocese: "O que precisaríamos fazer para permitir que Mike levasse a Eucaristia?" Portanto, eles realmente tiveram muito trabalho, tiveram que dar tratos a bola, para que isso acontecesse, e eu pude levar uma pequena píxide comigo que tinha seis hóstias divididas em quatro cada uma, de forma que eu tivesse 24 oportunidades de receber a comunhão em órbita.

Eles foram capazes de resolver tudo com a igreja; e assim, no fim de semana antes de eu partir para a Rússia - nós lançamos um foguete russo do Cazaquistão - eu fui à missa uma última vez, e [o padre] consagrou as hóstias tornando-as no Corpo de Cristo, e eu pude levar a píxide comigo.

E eis que, de novo, todo o processo foi incrível, porque cada item que levamos para o espaço tem que ser registrado e classificado. De tal forma que, ao se fazer parte parte da tripulação neste veículo russo, todos esses itens pessoais [são processados] - membros da Agência Espacial Russa levam cerca de duas semanas para pesá-los e validá-los para o voo espacial. Bem, eu não poderia simplesmente largar o Corpo de Cristo - simplesmente entregá-Lo para uma outra pessoa qualquer!

No entanto, os russos foram incríveis. Entrei com todos os meus itens pessoais e expliquei o que era a píxide e o significado dela para mim - porque para eles, claro, viam apenas como pão, ou ainda, bolachas - e, contudo, para mim [Eu sabia] era o Corpo de Cristo. E eles entenderam completamente e disseram: "Ok, vamos estimar que pesa tanto, e sem problemas. Você pode guardá-lo com você."

Então, foi simplesmente uma coisa após a outra: todas as portas se abriram e eu pude ter a Eucaristia - eu pude comungar, basicamente, todas as semanas. Teve algumas vezes em que tomei a comunhão em, vamos dizer, ocasiões especiais: fiz duas caminhadas espaciais; assim, na manhã de ambos os dias, quando saí para a caminhada no espaço, tomei a comunhão. Foi muito precioso para mim saber que Jesus estava comigo quando saí pela escotilha para o vácuo do espaço. E então recebi minha última comunhão no meu último dia em órbita na "Cúpula", que é esta grande janela voltada para a Terra, e aquele foi um momento muito especial antes de eu voltar para casa.

Houve algum momento em particular na sua trajetória de conversão, que você chegou à fé na Eucaristia, quando você percebeu: "Uau - é mesmo Jesus"?

Acho que sim. Mencionei que o Padre Skip - passamos todo esse tempo juntos durante minha formação como crismando - explicou-me os primórdios da Igreja, como os padres católicos têm essa linhagem que remonta aos apóstolos; como existe esta ligação, por meio da Igreja Católica, a Jesus, através dos sacerdotes. Havia algo nisso que fazia tudo parecer real para mim. Porque quando você está falando [com um padre], no meu caso com o Padre Skip, e percebe que há uma ligação direta entre ele ter sido ordenado até os apóstolos, até Jesus ... esse tipo de conexão tornou tudo real.

Como a NASA, uma entidade eminentemente científica, respondeu à sua conversão e levar a Eucaristia ao espaço?

A NASA tem sido ótima... Eles não tinham nenhuma reserva sobre eu levar a Eucaristia ou praticar minha fé em órbita. Claro, estou lá com um trabalho a ser cumprido e preciso fazê-lo, mas não houve interferência. Existem alguns astronautas que são muito religiosos. Estamos praticando nossa fé. Não nos silenciamos sobre ela.

Você acha que ser astronauta ajuda a sua fé?

Sim, ajuda. Quando eu recebo a comunhão... é uma dessas coisas que coloca tudo em perspectiva para mim. Quando a gente está em órbita e se preparando para uma caminhada no espaço, do ponto de vista emocional, você pode ficar muito nervoso; pode ter medo. Portanto, ajudou a fortalecer minha fé, porque quando eu consegui receber a Hóstia, pude perceber que se minha fé for forte não tenho nada a temer... isso ajudou. Tendo esta lembrança constante quando eu estava na Estação Espacial Internacional - as coisas podem dar errado de uma hora pra outra lá em cima, e as consequências podem ser muito ruins - [eu tinha] minha fé - aquele apoio constante em Jesus - e fui percebendo que é Ele que está no controle, que não sou eu no controle disso. Então, quando você está sentado naquele foguete, se preparando para o lançamento, você faz uma oração e realiza a tarefa.

Devo dizer que este é provavelmente o assunto mais difícil de falar. Para mim, meu relacionamento com Deus sempre foi uma coisa muito pessoal. Essa é uma das coisas que aprendi com o Padre Skip. [A Igreja é] católica; é um corpo; é o todo. Isso faz parte da fé. Não se trata apenas de sua [situação] pessoal; é também fazer parte da comunidade. Passei toda a minha vida mantendo meus pensamentos e crenças para mim mesmo, assim, estando agora nesta posição de comunicação, sei que não comunico muito bem... É muito difícil para mim. É muito mais fácil levantar e falar sobre um lançamento espacial ou a ciência que estamos fazendo a bordo.

Você fala muito bem sobre isso. Meu filho mais velho tem 7 anos, e eu disse a ele: "Vou entrevistar um astronauta!" E ele disse, "Opa, legal!" E aí eu disse a ele por quê: "Porque ele levou Jesus ao espaço!" Você tem um belo ministério agora e uma bela missão na Igreja. Minha última pergunta é: como você imagina que seja o céu?

Quando penso no céu, não penso em estar no espaço, porque estive lá e sei como é. E tem muito da vida daqui debaixo. Nós criamos esse ambiente artificial lá em cima. Nós construímos a Estação Espacial Internacional. É feito pelo homem. Tem todos os mesmos tipos de coisas que temos aqui na Terra. Você tem equipamentos de ginástica. Você tem comida. Você tem maneiras de preparar essa comida. Você tem os meios para se livrar dos resíduos. Você tem a ciência. Você chega lá e é muito real. Quando penso no paraíso, não tenho a menor ideia de como será.

Há mais alguma coisa que você gostaria de compartilhar? Você ainda é um simples católico que engatinha - ou um católico que já caminha por si?

Ainda engatinho!

Meu filho mais novo está passando pela formação para Crisma. Julie e eu fomos para a reunião inicial. Eles tinham um orador convidado lá, não um padre ... [ele era] de um dos programas do Rito da Iniciação Cristã de Adultos da parte norte da cidade, e esse cara era bom. É incrível quando você consegue ouvir alguém falar sobre fé [de uma forma real], falar sobre as deficiências em nossa prática da fé. A maneira como ele falava era realmente incrível.

Acho que uma das coisas legais sobre se tornar católico é poder participar de eventos como esse, onde você percebe que "Eu sou um católico que engatinha e tenho muito mais a aprender". E toda vez que eu conheço essas pessoas incríveis que estão na Igreja Católica, eu simplesmente percebo que este é o lugar certo para mim.

Por Kathleen Naab em 5 de março de 2017.

Original em inglês: National Catholic Register