Cardeal Kung: Exemplo de Pastor

29/11/2017

Cardeal Kung foi bispo Católico Romano de Xangai e Administrador Apostólico de Souchou e Nankin desde 1950, cargo que ocupou até seu falecimento. Foi ordenado sacerdote há quase 70 anos, em 28 de maio de 1930, e foi consagrado bispo há 50 anos - o primeiro bispo chinês nativo de Xangai - na festa de Nossa Senhora do Rosário, em 7 de outubro de 1949, depois que os comunistas já tinham tomado a China. O Cardeal Kung foi feito cardeal pelo Papa João Paulo II in pectore (no coração do Papa, sem anúncio para ninguém no mundo, incluindo o próprio Cardeal Kung) há 20 anos, em 1979, aos 78 anos, quando o Cardeal estava cumprindo prisão perpétua em isolamento na China. Estando no coração do Papa João Paulo II há 12 anos, o cardeal Kung foi finalmente proclamado ao mundo cardeal, em 28 de junho de 1991, pelo Papa João Paulo II. Por época do falecimento do Cardeal Kung, ele era o mais antigo dos cardeais.

A história do Cardeal Kung é a história de um pastor fiel e de um herói. D. Kung era um homem que se recusava a renunciar a Deus e a sua Igreja apesar das consequências de uma sentença de prisão perpétua do governo comunista chinês. Nos meses anteriores à sua prisão em 1955, o então Bispo Kung ficou junto ao seu clero e fiéis da China, apesar de muitas ofertas de passagem segura para fora da China. Ele foi um homem que inspirou milhões de seus compatriotas a seguir seu exemplo de fidelidade à fé Católica Romana e que preservou a Igreja Católica Romana em um país comunista nos últimos 50 anos. Ele foi um homem que se tornou um símbolo para líderes mundiais em todos os países pela sua luta pela liberdade religiosa. Nenhum relato sobre perseguições religiosas ou de qualquer violação de direitos humanos na China está completo sem algumas palavras sobre Sua Eminência o Cardeal Kung.

Dom Kung era bispo de Xangai e Administrador Apostólico de duas outras dioceses por apenas cinco anos quando foi preso pelo governo chinês. Em apenas 5 anos, o Bispo Kung tornou-se um dos inimigos mais temidos dos comunistas chineses - um homem que chamava tanto a atenção como a devoção dos mais de três milhões de católicos romanos do país, o mais alto respeito de seus irmãos bispos na China e inspirou milhares a oferecer suas vidas a Deus. Em desafio à Associação Patriótica Católica Chinesa sancionada e criada pelos comunistas, D. Kung supervisionou pessoalmente a Legião de Maria, uma organização religiosa de leigos dedicada à veneração da Santíssima Virgem Maria. Como resultado, muitos membros da Legião de Maria preferiram se arriscar à prisão em nome de seu Deus, de sua Igreja e de seu Bispo. Centenas de membros da Legião de Maria, incluindo muitos estudantes, foram presos e condenados a 10, 15, 20 anos ou mais de trabalhos forçados.

Em meio às perseguições, Bispo Kung declarou em1952 o Ano Mariano em Xangai. Durante esse ano era para ocorrer a recitação diária do Rosário por 24 horas ininterruptas em frente à imagem de Nossa Senhora de Fátima, que peregrinava por todas as paróquias de Xangai. A Santa Imagem finalmente chegou à Igreja de Cristo Rei, onde apenas um mês antes tinha ocorrido uma grande detenção de sacerdotes. D. Kung visitou essa igreja e puxou pessoalmente o Rosário, enquanto centenas de policiais armados observavam. No final do Rosário, na liderança da congregação, D. Kung rezou: "Santa Mãe, não vos pedimos um milagre. Não vos imploramos que a Senhora pareis com as perseguições. Mas nós vos imploramos que nos apoieis, porque somos muito fracos."

Sabendo que ele e seus sacerdotes logo seriam presos, D. Kung treinou centenas de catequistas para transmitir a fé Católica Romana na diocese para as futuras gerações.

Os esforços heroicos desses catequistas, o martírio deles e o daqueles muitos outros fiéis e clérigos contribuíram para a vibrante Igreja Católica Romana subterrânea na China atual. O lugar do Bispo Kung nos corações de seus paroquianos foi muito bem resumido pelo grupo de jovens de Xangai em uma manifestação juvenil no Ano Novo de 1953 quando eles disseram: "Bispo Kung, na escuridão, o senhor ilumina o nosso caminho. O senhor nos guia na nossa jornada traiçoeira O senhor sustenta a nossa fé e as tradições da Igreja. O senhor é a pedra fundamental da nossa Igreja em Xangai".

Em 8 de setembro de 1955, a imprensa em todo o mundo relatou em choque a detenção durante a noite de D. Kung junto com mais de 200 sacerdotes e líderes da Igreja em Xangai. Meses depois de sua prisão, ele foi levado para uma "sessão de luta"1 no antigo estádio Dog Racing em Xangai. Milhares foram convidados a participar e a ouvir a confissão pública do bispo de seus "crimes". Com as mãos amarradas atrás de suas costas, usando um terno de pijama chinês, o bispo de 1,52m de altura foi empurrado para o microfone para confessar. Para o choque da polícia de segurança, eles ouviram do Bispo um grito alto e digno de "Viva o Cristo Rei, Viva o Papa!". A multidão respondeu imediatamente: "Viva o Cristo Rei, Viva o Bispo Kung!". O bispo Kung foi rapidamente arrastado para o carro da polícia e desapareceu do mundo até que ele foi julgado em 1960. O bispo Kung foi condenado à prisão perpétua.

Na noite anterior ao julgamento, o Procurador-chefe pediu mais uma vez sua cooperação para liderar o movimento da igreja independente e estabelecer a Associação Patriótica Chinesa. Sua resposta foi: "Eu sou um bispo Católico Romano. Se eu censurar o Santo Padre, não só não seria bispo, como nem sequer seria católico. O senhor pode me cortar a cabeça, mas nunca poderá me tirar os meu deveres ".

O Bispo Kung desapareceu atrás das grades por trinta anos. Durante esses trinta anos, ele passou muitos longos períodos em isolamento. Numerosos pedidos para visitar o Bispo Kung na prisão feitos por organizações religiosas internacionais, de direitos humanos e de altos funcionários de governos estrangeiros foram rejeitados. Ele não foi autorizado a receber visitantes, incluindo seus parentes, cartas ou dinheiro para comprar itens essenciais, que são direitos dos demais prisioneiros.

Os esforços de sua família para sua libertação, liderados por seu sobrinho, Joseph Kung, por organizações de direitos humanos, incluindo Anistia Internacional, a Cruz Vermelha e o governo dos Estados Unidos, nunca cessaram. Em 1985, ele foi libertado da prisão para cumprir outro período de 10 anos de prisão domiciliar sob a custódia dos bispos da Associação Patriótica que o traíram, traíram o Papa e que usurparam a sua diocese. Em um artigo imediatamente após sua libertação da prisão, o New York Times disse que a redação ambígua da agência de notícias chinesa sugeria que as autoridades, e não o bispo, poderiam ter cedido. Após dois anos e meio de prisão domiciliar, ele foi oficialmente libertado. No entanto, sua acusação de ser um revolucionário nunca foi exonerada. Em 1988, seu sobrinho, Joseph Kung, foi para a China duas vezes e obteve permissão para acompanhá-lo aos EUA para receber cuidados médicos adequados.

Pouco antes de D. Kung ser libertado da prisão, ele foi autorizado a participar de um banquete organizado pelo governo de Xangai para receber Sua Eminência o Cardeal Jaime Sin, arcebispo de Manila, Filipinas, em uma visita amistosa. Esta foi a primeira vez que D. Kung se encontrava com um bispo visitante da Igreja universal desde a sua prisão. O Cardeal Sin e o Bispo Kung estavam sentados em extremos opostos da mesa, separados por mais de 20 comunistas, e não tinham chance de trocar palavras em particular. Durante o jantar, Cardeal Sin sugeriu que cada pessoa deveria cantar uma música para celebrar. Quando chegou a hora de cantar D. Kung, na presença dos oficiais do governo chinês e dos bispos da Associação Patriótica, ele olhou diretamente para o Cardeal Sin e cantou "Tu es Petrus et super hanc petram aedificabo Ecclesiam" (Tu és Pedro e sobre esta pedra, edificarei a minha Igreja), uma música de fé que proclama a suprema autoridade do Papa. O Bispo Kung transmitiu ao Cardeal Sin que, em todos os seus anos de cativeiro, permaneceu fiel a Deus, à sua Igreja e ao Papa.

Após o banquete, Aloysius Jin, Bispo de Xangai da Associação Patriótica Católica Chinesa, repreendeu ao Cardeal Kung: "O que você está tentando fazer? Mostrar a sua posição?" Cardeal Kung respondeu calmamente: "Não é necessário mostrar minha posição. Minha posição nunca mudou".

O Cardeal Sin imediatamente levou a mensagem do Cardeal Kung ao Santo Padre e anunciou ao mundo: este homem de Deus nunca vacilou em seu amor por sua Igreja ou seu povo, apesar do sofrimento, isolamento e dor inimagináveis.

O falecido bispo Walter Curtis, Bispo Católico Romano de Bridgeport, Connecticut, na época, convidou o Bispo Kung para se hospedar com os clérigos aposentados da Diocese de Bridgeport após sua chegada aos Estados Unidos. Ele permaneceu como convidado da Diocese - mais tarde liderada pelo Bispo Edward Egan - por 9 anos, até dezembro de 1997.

Quando o Papa João Paulo II presenteou Cardeal Kung com seu chapéu vermelho no Consistório em 29 de junho de 1991 no Vaticano, o Bispo Kung, de 90 anos, levantou-se da cadeira de rodas, pegou a bengala e subiu os degraus para ajoelhar-se aos pés do Pontífice. Visivelmente tocado, o Santo Padre levantou-o, deu-lhe o seu chapéu cardinalício e ficou pacientemente de pé enquanto
Cardeal Kung retornava para sua cadeira de rodas ao som de uma ovação sem precedentes de sete minutos dos 9.000 convidados no auditório do Vaticano.

Durante os últimos doze anos, o Cardeal Kung rezou missas públicas em muitas paróquias, em conferências católicas e na TV, deu entrevistas e fez homilias nos Estados Unidos para chamar a atenção do mundo livre para perseguições contínuas à Igreja Católica Romana na China. Ele continuou a ser a inspiração dos 9-10 milhões de católicos subterrâneos da China e inimigo odiado do governo comunista chinês. Em entrevista à imprensa chinesa em Nova York em 12 de fevereiro de 1998, o Sr. Ye Xiaowen, diretor do Escritório Religioso da China, declarou: "Kung Pin Mei cometeu um crime grave dividindo o país e causando danos às pessoas ". Um mês depois, em março de 1998, o governo chinês confiscou o passaporte do Cardeal Kung, de 97 anos, exilando-o oficialmente.

Em 1997, quando o presidente da China, Jiang Zemin, visitou os Estados Unidos, o cardeal Kung fez um apelo para que se permitisse a liberdade religiosa na China e libertasse os católicos presos nas prisões e campos de trabalho da China.

"Respeitosamente apelo ao senhor, Senhor Presidente, a defender os direitos dos cidadãos chineses à verdadeira liberdade religiosa, permitir que os Católicos Romanos mantenham a verdadeira liberdade religiosa e que os Católicos Romanos possam manter a comunhão religiosa com o Papa a fim de manter a plenitude de sua fé. A China, sob sua liderança capaz, deve ser internacionalmente conhecida como um país que possui a verdadeira liberdade religiosa ".

O apelo feito encontrou apenas o ouvidos de moucos do presidente.

Cardeal Kung nunca cessou de pedir orações por aqueles que se separaram e se uniram à Associação Patriótica estabelecida pelos comunistas. Antes de sua viagem à Roma para assistir ao Consistório em 1991, o Bispo Kung dirigiu-se à China através das ondas da Voz da América, convidando os bispos patrióticos a retornar à Cidade Eterna com ele.

Em sua revista Mission, em 1957, o bispo Fulton Sheen escreveu: "O Ocidente tem o seu Mindszenty, mas o Oriente tem seu Kung. Deus é glorificado em Seus santos".

Sua Eminência, o cardeal Ignatius KUNG Pinmei morreu às 3:05 da manhã em 12 de março de 2000. Ele tinha 98 anos de idade.



1 - N.T.: Uma 'sessão de luta' era uma forma de humilhação pública imposta pelos comunistas chineses a alguns de seus prisioneiros, utilizada pelo Partido Comunista da China durante a Era Mao Tse Tung para moldar a opinião pública e para humilhar, perseguir, e/ou executar rivais políticos chamados inimigos do povo.

Original em inglês: https://www.cardinalkungfoundation.org/ck/CKlife.php