Ser De Deus

23/02/2024
Tributo a César por Bartolomeo Manfredi, domínio público, via Wikimedia Commons.
Tributo a César por Bartolomeo Manfredi, domínio público, via Wikimedia Commons.

"Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus".

Com essa frase, Nosso Senhor evita a armadilha preparada pelos fariseus e herodianos. Mas isso é mais do que uma fuga inteligente. Suas palavras também estabelecem um dos princípios mais importantes na história do pensamento humano: governo limitado e a distinção entre a Igreja e o Estado.

Muitas sociedades podem considerar essas coisas como garantidas. Mas no mundo antigo, esses limites e distinções eram desconhecidos. Observe que os fariseus e os herodianos se uniram contra Nosso Senhor. Esses são dois grupos que, de outra forma, não estariam juntos. O que eles compartilham nesse contexto é a convicção de que o reino e a adoração devem ser uma coisa só. Sem limites, sem distinção. Jesus não apenas frustra o objetivo de curto prazo deles de prendê-Lo, mas também os força a repensar esse arranjo.

A primeira parte da resposta de Nosso Senhor - "Dai a César o que é de César" - indica claramente que o Estado tem um papel legítimo e autonomia. Até mesmo os governantes pagãos devem ser obedecidos. Ninguém pode dizer: "Não é o meu imperador!"

Os Apóstolos continuam o ensinamento de Nosso Senhor. São Paulo diz: "Cada qual seja submisso às autoridades constituídas, porque não há autoridade que não venha de Deus; as que existem foram instituídas por Deus". São Pedro escreve: "Por amor do Senhor, sede submissos, pois, a toda autoridade humana".

Portanto, a Igreja reconhece e respeita o papel legítimo e a autonomia do Estado. A grande maioria das questões políticas não admite uma resposta especificamente católica e é deixada para aqueles que ocupam cargos públicos. O papel da Igreja não é administrar o governo, mas formar consciências e identificar os princípios para o discernimento na praça pública. Os detalhes devem ser deixados para aqueles a quem foi confiado o serviço do bem comum.

Mas há também a segunda parte da frase de nosso Senhor: dai "a Deus o que é de Deus". Isso estabelece um limite para a autoridade do Estado. Portanto, há um limite no qual a Igreja diz ao Estado: "Até aqui e não mais". Qual é esse limite?

Bem, se o que tem a imagem de César pertence a César, então o que tem a imagem de Deus é imperativo que pertença a Deus. O Homem, criado à imagem e semelhança de Deus, pertence a Deus. Ele não pode ser entregue ao Estado. Assim, a verdade, a dignidade e os direitos da pessoa humana estabelecem os limites - e o propósito - da autoridade governamental. A Igreja não exige que as autoridades públicas legislem sobre a doutrina e a moral católicas, mas que governem de acordo com a verdade da pessoa humana.

Alguns vão se queixar e recitar as velhas máximas: a política não tem lugar no púlpito. Devemos manter a religião fora da política. Separação entre Igreja e Estado! É claro que ninguém realmente acredita nessas coisas. Afinal de contas, uma crítica comum feita à Igreja é que seus pastores não se manifestaram o suficiente contra a escravidão, Hitler ou a segregação racial. E ninguém justifica esse silêncio com: "Bem, a política não tem lugar no púlpito".

É claro que um padre não deve absolutizar muitas questões que admitem um julgamento prudencial e uma diversidade de opiniões entre os católicos fiéis. Não há uma solução especificamente católica para a imigração, a saúde, a Ucrânia, etc. Podemos lutar por essas questões. Só temos que lutar como filhos de Deus, de acordo com o ensinamento Católico.

Mas quando os pastores se manifestam contra o aborto, ou a redefinição do casamento, ou a supressão da liberdade religiosa, eles não estão se intrometendo na política. Eles estão defendendo os direitos de Deus contra políticos intrusivos. O direito à vida, o significado do casamento, a realidade do homem e da mulher - essas coisas pertencem a Deus. Não podemos cooperar para entregá-las a César. Quando a Igreja se pronuncia sobre essas questões, ela está simplesmente ecoando a palavra de seu Esposo divino: "a Deus o que é de Deus".

"Dai, pois, a César o que é de César e a Deus o que é de Deus". Há outro significado, mais pessoal, nesse versículo. Você pertence a Deus, não a César. Você pertence à oração, não à política. Sim, você deve estar informado e envolvido na política - até certo ponto. Mas a política não é a única coisa, nem mesmo a mais importante. Se você investir mais tempo na política do que na oração; se ler mais sobre as próximas eleições do que sobre o seu Senhor; se estiver mais preocupado com o governo terreno do que com o celestial - então você deu a César o que é de Deus. César se tornou seu deus.

A primeira maneira de defender os direitos de Deus contra as incursões do Estado é certificar-se de que você está vivendo sua vida como alguém que pertence a Ele; pensar mais no Reino de Deus do que em nosso próprio país; passar mais tempo contemplando as verdades eternas do que ser arrastado para o que se passa nas notícias. Quando você coloca a adoração e o serviço ao Deus eterno à frente de tudo o mais, você relativiza a autoridade do Estado e dá a Deus o que lhe pertence.

Autor: Pe. Paulo Scalia

Original em inglês: CERC - Catholic Education Resource Center