A Ascensão Dos Ultramontanistas

14/04/2024
S. Pedro batizando o centurião Cornélio, de Francesco Trevisani, 1709.
S. Pedro batizando o centurião Cornélio, de Francesco Trevisani, 1709.

Esta é uma era peculiar na Igreja que testemunha o surgimento do ultramontanismo. A teologia sólida já pôs fim a essa heresia muitas vezes e, ainda assim, ela continua surgindo. Lamentavelmente, sempre haverá papas que acolhem o ultramontanismo e a adesão incondicional que vem com ele, assim como sempre haverá aquelas almas que estão mais do que ansiosas para se curvar ao homem que por acaso é papa.

O ultramontanismo é a falsa crença de que tudo o que o papa diz não tem erro. Tudo o que o papa decide deve estar certo. Tudo o que um papa fala ou faz é primordial e não pode ser questionado. A retórica chocante dos ultramontanistas é encontrada em slogans como: "Se você não acredita em tudo o que o papa ensina, então você não é católico".

O ultramontanismo está presente na Igreja desde seu início. O primeiro ultramontanista foi o catecúmeno Cornélio. São Pedro, nosso primeiro papa, foi chamado a Cesaréia. Quando ele chegou, nos é contado:

Quando Pedro entrou na casa, Cornélio o encontrou e caiu a seus pés em reverência. Mas Pedro o fez se levantar. "Levanta-te!", disse ele, "Também eu sou um homem!". (Atos 10, 25-26)

As ações de Cornélio foram além da reverência filial dos fiéis (cf. Atos 5,15-16), que viam o apóstolo-chefe como um reflexo da presença de Deus e viam o poder divino atuando por meio dele. No caso de Cornélio, ele procurou diminuir Deus e viu o próprio São Pedro como uma espécie de semideus. O apóstolo percebeu o abuso e fez bem em corrigir Cornélio. Como um homem de virtude, São Pedro não permitiria nenhum espaço para o ultramontanismo.

No caso de Cornélio, no entanto, podemos entender suas ações, pois ele ainda era pagão e ainda não havia aprendido o caminho do Senhor Jesus. No entanto, desde o início da Igreja, temos visto muitas pessoas que não têm como se desculpar; católicos ultramontanistas que deveriam ter mais conhecimento.

Os Padres do Concílio Vaticano I tiveram que humilhar os ultramontanistas do século XIX. Ao contrário da crença popular, o Pastor Aeternus, o decreto sobre a infalibilidade papal, não aumentou o poder do papado, mas, na verdade, o moderou e limitou.

Antes desse decreto, nunca ficava claro qual era a posição dos ensinamentos e pensamentos de um papa em termos de sua autoridade. Por exemplo, quando o Papa Gregório XVI viu pela primeira vez uma locomotiva a vapor, ele a amaldiçoou e a chamou de "estrada para o inferno". Alguns na época se perguntaram qual seria a posição exata dos trens na doutrina católica. Com o Vaticano I, no entanto, surgiram fórmulas claras; os fiéis podiam saber quando o papa estava falando de forma infalível ou não.

Os ultramontanistas, especialmente o tipo 'neo' atual, obscurecem os níveis de autoridade e dão credibilidade suprema a tudo o que um papa possa dizer.

Eles exageram tanto a autoridade e o poder do papado que ficam confusos sobre o Corpo Místico de Jesus Cristo, mesmo quando vivem e trabalham dentro dele. Eles se tornam fideístas papais, reivindicando alguma lealdade virtuosa especial ao papa, mesmo quando transformam o homem que ocupa o cargo papal em algum tipo de leviatã, superior à revelação divina e à tradição sagrada.

Os ultramontanistas afirmam estar apenas demonstrando reverência pelo homem que ocupa o cargo papal. Eles se recusam a arregaçar as mangas e entrar nas trincheiras da reflexão e do trabalho teológicos reais.

Os ultramontanistas se reúnem - de forma quase político-partidária - em torno de um homem, afirmando que tudo o que ele diz é certo e tudo o que ele sussurra é verdade. Infelizmente, eles se tornam os guarda-costas de um único homem, limpando suas bagunças, encobrindo seus exageros, explicando seus erros, enquanto se envolvem em xingamentos e acusações contra filhos e filhas leais da Igreja que levantam questões, colocam desafios e indicam possíveis erros.

Na Constituição Dogmática do Vaticano II sobre a Revelação Divina, Dei Verbum, os Padres Conciliares foram claros:

Porém, o encargo de interpretar autênticamente a palavra de Deus escrita ou contida na Tradição, foi confiado só ao magistério vivo da Igreja (9), cuja autoridade é exercida em nome de Jesus Cristo. Este magistério não está acima da palavra de Deus, mas sim ao seu serviço, ensinando apenas o que foi transmitido, enquanto, por mandato divino e com a assistência do Espírito Santo, a ouve piamente, a guarda religiosamente e a expõe fielmente, haurindo deste depósito único da fé tudo quanto propõe à fé como divinamente revelado.

O papa é um servo da Palavra de Deus. Ele é o intérprete do Depósito da Fé, ao mesmo tempo em que serve como seu guardião e assistente. A revelação divina mantém o magistério sob controle, mesmo quando o magistério interpreta e ensina.

Portanto, quando um papa obscurece a capacidade da Igreja de julgar e instruir nas áreas da verdade moral, compromete a integridade doutrinária, tenta vincular as consciências dos fiéis sobre assuntos que estão além de sua competência, como a mudança climática e as ciências empíricas, pede a bênção de casais em estado de pecado ou traz um ídolo pagão para um altar cristão durante a adoração, a revelação divina o acusa muito antes de qualquer fiel.

Ao contrário dos ultramontanistas, os fiéis que realmente amam o papado - tanto o homem quanto o cargo - proferirão palavras de admoestação e reforma. Eles rezarão pela conversão e procurarão viver de acordo com as intimidantes palavras de São Paulo:

"Mas, pela prática sincera da caridade, cresçamos em todos os sentidos, naquele que é a Cabeça, Cristo. É por ele que todo o corpo – coordenado e unido por conexões que estão ao seu dispor, trabalhando cada um conforme a atividade que lhe é própria – efetua esse crescimento, visando à sua plena edificação na caridade". (Efésios 4, 15-16)

O ultramontanismo não dá força ou vigor à Igreja. Ele beira a bajulação que não serve para nada e causa grandes danos. A Igreja é perenemente fortalecida pela integridade e pela fortaleza moral. Ela é repetidamente renovada pela santidade, que é alcançada pela graça de Deus por meio da "obediência da fé" dada ao Evangelho.

Autor: Pe. Jeffrey Kirby

Original em inglês: The Catholic Thing