“Verdadeiramente Este Homem Era Filho De Deus!”

02/04/2024
A Confissão do Centurião, de James Tissot (1836-1902), [Museu do Brooklyn, Nova York]
A Confissão do Centurião, de James Tissot (1836-1902), [Museu do Brooklyn, Nova York]

Uma das frases mais estranhas dos Evangelhos foi proferida pelo centurião ao pé da cruz. Em Marcos, somos informados de que, quando ele viu que Jesus havia "dado o último suspiro", ele disse: "Verdadeiramente este homem era o Filho de Deus". (Mc 15, 39)

Seria de se esperar que essa fosse a última coisa que uma pessoa diria depois de ver um homem morrer. Todo mundo sabe que a única coisa que os deuses não fazem é morrer. Portanto, teria feito mais sentido se, no momento em que o centurião viu Jesus morrer, ele tivesse dito: "Bem, claramente este homem não era um deus".

Se Jesus tivesse se jogado de quinze metros de altura e disparado raios laser de seus olhos, poderíamos imaginar o centurião dizendo: "Xi, este era o filho de Deus". Depois disso, ele talvez poderia ter corrido para se proteger, pensando que o homem, que agora tinha se revelado, não ficaria muito satisfeito com aqueles que o trataram tão mal - com todo o negócio de cuspir, zombar, açoitar, coroar com espinhos e pregá-lo na Cruz.

Mas Cristo não se jogou de quinze metros no ar e disparou raios laser de seus olhos. Isso é coisa de história em quadrinhos. Não, Ele morreu: algo que os "deuses" nunca deveriam fazer. E, no entanto, foi nesse momento que o centurião disse: "Na verdade, este homem era o Filho de Deus".

Temos que imaginar que Marcos incluiu essa estranha história em seu Evangelho, bem, em primeiro lugar, porque ela aconteceu. Seria estranho incluí-la se não tivesse acontecido, uma vez que a maioria dos leitores estaria inclinada a concluir, como eu, que não fazia muito sentido um soldado romano realista concluir, a partir da morte de um homem, que Ele era "o filho de Deus".

Mas, em segundo lugar, Marcos provavelmente incluiu a história porque ela representava algo importante sobre a fé da Igreja primitiva. Os apóstolos não estavam proclamando a divindade de Cristo apesar de Sua morte na Cruz, mas por causa dela. Eles não estavam escondendo o fato da morte de Cristo; ao contrário, estavam proclamando que, ao contrário do que qualquer um poderia imaginar, Sua morte na Cruz foi a revelação decisiva de Sua divindade e Seu papel como nosso divino Redentor.

Isso é tão estranho que realmente deveria nos fazer pensar. Um Deus que morre? Que tipo de Deus é esse? Ou um impotente, ou um extremamente devotado. Mas se Ele é tão devotado, e se Ele pode passar pela morte - não evitá-la, não fingi-la, mas realmente passar por ela - e ainda assim vencê-la, então Ele alterou fundamentalmente toda a nossa ideia do que significa ser "poderoso". Um poder tão grande que transcende até mesmo a morte, mas que depois se submete à morte? Um Deus que se revela como um servo? Nós não nos sacrificamos por Ele; Ele se sacrifica por nós? Isso rompe todas as nossas categorias.

Mas se isso for verdade, altera fundamentalmente nossa compreensão do cosmos e da vida humana. Galáxias e mais galáxias que se estendem até o abismo; átomos, quarks e neutrinos, e forças quânticas fundamentais tão complexas que confundem a mente - e ainda assim tudo isso foi feito como um ato livre de amor por um Deus que nos ama tanto que estava disposto a assumir nossa morte para nos dar a vida? Será que isso pode ser verdade?

E se fosse, como Deus comunicaria essa verdade a nós? Tempestades de luz? Terremotos? Lindos pores-do-sol? Nós os temos, mas para muitos de nós, "tivemos a experiência, mas perdemos o significado" (1). Mas a morte - isso sim é algo cujo significado é difícil de se perder. Ou talvez seja mais correto dizer que a presença da morte iminente ameaça qualquer significado que pensávamos ter.

Considere a situação de Kate Middleton, Princesa de Gales. Aqueles de nós que tiveram um diagnóstico de câncer, como ela teve, sabem que isso muda tudo. O futuro se torna incerto. Os planos que tínhamos feito para a próxima semana, o próximo mês e o próximo ano tornam-se irrelevantes. Como mãe, ela está, sem dúvida, preocupada com os filhos. Suas lutas não são mais importantes, apenas mais públicas. Mas as perguntas são as mesmas. Existe algum futuro significativo para mim? É excruciante - como uma cruz.

Diante da escuridão da morte, as questões fundamentais da vida são colocadas com uma urgência sem remorso: O que poderia superar uma incerteza tão grande e uma escuridão aparentemente tão completa? Alguma coisa poderia restaurar a luz e a paz e colocar a vida em uma base mais segura e menos precária?

Não podemos curar o universo. Mas talvez seu Criador possa. Mas se Ele fosse curá-lo, como faria isso? Com raios laser? Shows de luz? Esses são truques de mágica bobos. Ou teria de ser transmitindo um amor tão grande que iluminasse a escuridão?

Deus amou o mundo de tal maneira que deu Seu único Filho. Porque não há maior amor do que este, que o homem dê Sua vida por Seus amigos. E a "boa nova" é que nenhum poder na Terra, acima da Terra ou abaixo da Terra pode nos separar desse amor e daqueles que amamos. E se isso for verdade, então o universo não é vazio e sem sentido e a vida humana não é vazia e sem sentido, mesmo diante do sofrimento e da morte.

Se alguém amasse você tanto que estivesse disposto, livremente, a sacrificar a própria vida por você, isso mudaria a maneira como você vive? A revelação de que você foi amado tanto assim o faria pensar de forma diferente sobre seu valor e o significado de sua vida? Tanto amor e devoção - por mim? É quase demais para acreditar. Mas por que lutar contra? Se esse é o universo que Deus criou, e se Ele quis compartilhar tanto Seu amor conosco, por que dizer não?

Autor: Randall Smith

Original em inglês: The Catholic Thing 


Nota:

(1) - Original em inglês: "We had the experience but missed the meaning"T. S. Elliot: Four Quartets 'The Dry Salvages' (1941) - Sem tradução para o português.